domingo, 9 de junho de 2019

Marguerite Duras e a espera

Filme baseado nos diários da escritora francesa mescla memória e invenção sobre o amor e a guerra

Por Carlos Alberto Mattos



A maestria de Marguerite Duras em criar um distanciamento literário entre fatos e seu relato passa a salvo do livro para o filme Memórias da Dor (La Douleur). Ao voltar-se para seus diários da época da II Guerra, quando seu marido Robert Antelme, líder da Resistência francesa, era preso e deportado para um campo de concentração na Alemanha, Marguerite reexamina a si mesma, sua consciência ética e afetiva.

Assim como o livro de Duras não se prendia ao autobiográfico, o filme de Emmanuel Finkiel se abre para a invenção ficcional. A narrativa se divide claramente em duas partes. Na primeira, em ritmo de thriller, a escritora estabelece uma relação ambígua com Rabier, o agente da Gestapo que havia detido Robert. Enquanto tenta usar essa aproximação para proteger e saber do marido, ela evita ser usada em troca como informante. Percebe-se que esses episódios são bastante romanceados e até mesmo inverossímeis, mas isso importa menos, já que o foco está, desde então, na subjetividade de Marguerite.



A segunda metade do filme inclina-se para uma fenomenologia da espera. Paris é liberada, a guerra encaminha-se para o seu final, e Robert não retorna. Marguerite se transporta para um mundo de suposições e angústias, cercada que está por outras mulheres à espera do retorno de seus entes queridos. A partir de certo ponto, o que interessa observar é o que essa expectativa sempre adiada pode produzir na sensibilidade de quem espera.

Embora conte com uma reconstituição de época eficiente e pontual, Emmanuel Finkiel trabalha basicamente com uma dramática da pouca profundidade de campo, fazendo com que o mundo objetivo perca o foco em benefício das figuras em primeiro plano. Assim ele enfatiza a maneira como Marguerite apreende o mundo de maneira subjetiva e interrogativa em função de seu diário/romance. O texto, com suas habituais repetições e circularidades, é uma espécie de segunda pele com que ela se veste para melhor resistir à dor.

O diretor Emmanuel Finkiel foi assistente de direção do polonês Krzysztof Kieslowski na trilogia “Azul, Branco e Vermelho”. Herdou alguma coisa do estilo do mestre num expressionismo suave, em que a realidade exterior rebate no interior das pessoas. No elenco conduzido com austeridade destaca-se naturalmente a atriz Mélanie Thierry, um rosto relativamente enigmático que tanto revela quanto oculta as transformações interiores de sua personagem.

Fonte: Carta Maior

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