quinta-feira, 28 de junho de 2007

O Guerrilheiro Domingos de Oliveira

Guerrilha cinematográfica
por Ana Paula Sousa

No lançamento do novo filme, Carreiras, Domingos de Oliveira ataca a dependência estatal e diz que o cinema nacional divorciou-se do público

Havia um certo espírito de guerrilha na pré-estréia de Carreiras, na terça-feira 19, no Espaço Unibanco de Cinema, em São Paulo. O filme, que entrou em cartaz nesta sexta-feira 15, é quase um patinho feio da produção atual. Filmado com 35 mil reais, lançado em apenas seis salas, em sistema digital (sem as tradicionais cópias em película), e apelidado de filme “B.O.A.A”, sigla que significa “baixo orçamento e alto astral”, Carreiras é uma aposta de risco encampada pelo diretor Domingos de Oliveira.

Aos 70 anos, no 11º longa-metragem da carreira, o cineasta, que ganhou com Todas as Mulheres do Mundo (filme de 1967, protagonizado por Leila Diniz e Paulo José), resolveu transformar o cinema em ato político. A nova produção é aberta com um letreiro que conta que veremos uma produção feita em oito dias, com um custo de 5 a 10 vezes menor do que a média e incita: “Se viabilizado comercialmente, significa a democratização do cinema brasileiro”.

A despeito dos propósitos nobres, Carreiras é vítima das próprias limitações orçamentárias. Cinema também é técnica e, não raro, o filme incomoda pela luz mal cuidada ou pelo foco que escapa. Além disso, a história da apresentadora de tevê que passa uma noite a cheirar cocaína, protagonizada pela atriz Priscilla Rosembaum soa às vezes artificial. Nas conversas ao telefone, por exemplo, incomoda o fato dela repetir as frases ditas por um suposto interlocutor. No teatro, apresentado como monólogo, o texto funcionava melhor. Ainda assim, Carreiras é filme no qual se deve prestar atenção.

Na entrevista a seguir, concedida no café no Espaço Unibanco, pouco antes da exibição do filme, Oliveira explicita suas propostas.

CartaCapital: O manifesto não acabou virou marketing?

Domingos de Oliveira: Não foi, de forma alguma, uma estratégia de marketing pensada, mas é verdade que isso acabou acontecendo.

CC: O que o senhor esperava com o manifesto?

DO: Eu esperava chamar um pouco a atenção para essa situação absurda que vivenciamos no cinema brasileiro. É tudo tão absurdo que o sistema de produção, simplesmente, não prevê a participação privada nos filmes. O governo acaba incentivando a dependência estatal.

CC: Por que o senhor não quer entrar nos editais públicos, participar dos concursos?

DO: Porque o filme que eu quero fazer hoje não é necessariamente o filme que eu quero fazer daqui a três anos, quando sair o dinheiro. O artista tem que organizar a própria vida, não pode passar o tempo todo à espera dos resultados dos júris, de um dinheirinho aqui, outro ali.

CC: O que é preciso para fazer um filme em sistema de cooperativa?

DO: Uma equipe disposta a participar disso e uma câmera digital. A grande dificuldade foi conseguir o dinheiro para finalizar o filme para fazer o transfer (passar do vídeo para a película 35 milímetros). O governo não ajuda o filme pronto. Por isso, dei início à campanha pelo edital do filme pronto, que beneficiaria obras já filmadas, que precisam apenas ser concluídas. Desse modo, o governo utilizaria muito melhor o dinheiro público.

CC: Como tem sido recebida a idéia?

DO: Tem havido reações violentas de gente do meio cinematográfico. Muitos cineastas se acostumaram a inflar o orçamento para, num filme, ganhar o que precisam para se manter por quatro anos, que é o tempo que, em geral, se leva para fazer uma outra produção. É uma situação que me faz pensar nos policiais cariocas que fazem bicos como seguranças privados. O governo sabe disso, mas fecha os olhos porque, para proibi-los, teria que resolver uma outra situação, teria que aumentar os salários.

CC: Em termos estéticos e temáticos, essa política de editais, concursos e patrocínio privado tem tido que conseqüências sobre o cinema brasileiro?

DO: Tem provocado um perverso e doentio divórcio entre o cinema e o público. Quando faz um roteiro, um diretor ou roteirista, pensa primeiro se vai agradar ao júri. Só depois pensa no público.

CC: Muitas vezes, pensa também no gosto das majors (Fox, Warner e Columbia), que hoje são importantes co-produtoras, não?

DO: Isso é ainda mais perverso. O problema é que, na cultura, está todo mundo desesperado com a falta de apoio. Todo mundo, no cinema e no teatro, se viu obrigado a transformar-se em captador de verba. O artista não sabe mais qual é a sua função.

CC: Qual é a sua função?

DO: Falar de coisas que me interessam, fazer filmes, peças ...

CC: Há outro filme a caminho?

DO: Tenho outro filme pronto, que fiz com o Paulo José e o Aderbal Freira Filho. É um filme sobre os homens que se aproximam dos 70 anos. Mas custou 1 milhão de reais e, até por isso, tem que ter uma distribuição melhor.

CC: No teatro as coisas são mais fáceis?

DO: No teatro, no cinema, em tudo, o sucesso depende da mídia. Mas, em São Paulo, ainda é possível montar uma peça num lugar decente. No Rio de Janeiro, todos os bons teatros só aceitam peças que tenham atores da Globo.

CC: O cinema, na tevê Globo, também não é muito diferente ...

DO: Ah, sim. Filmes que não têm a participação da GloboFilmes não podem nem ser citados na programação. Eu tentei fazer com que Separações fosse exibido na tevê, por ser um filme de fácil comunicação com o público. O que eu ouvi? Que não podia passar porque não tinha atores da Globo.

Fonte:
CartaCapital

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