terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Análise de três Curtas do autor de Vinil Verde

Tremenda coincidência. Não faz uma semana que o OutroCine postou o curta Vinil Verde, de Kleber Mendonça Filho, e a revista eletrônica de cinema, Filmes Polvo, traz na sua edição 16, em texto de Gabriel Martins, uma interessante análise da obra de Mendonça Filho. Confira a seguir reprodução do artigo que está no mais recente número da Filmes Polvo.

A trilogia de Kleber Mendonça Filho
por Gabriel Martins


Algo de muito interessante tem acontecido no circuito de Festivais de Cinema do Brasil: vários diretores de curtas têm conseguido consolidar obras de caráter pessoal e, assim, mostrar seus estilos, independente de terem um longa-metragem no currículo ou não. Temos como exemplo Rafael Gomes (Tudo que é sólido pode derreter, Alice), Carlos Magno (Kalishnikov, Igreja Revolucionária dos Corações Amargurados), Esmir Filho (Ímpar Par, Alguma coisa assim), Eduardo Valente (Um Sol Alaranjado, Castanho, O Monstro), Kleber Mendonça Filho (Vinil Verde, Eletrodoméstica, Noite de Sexta, Manhã de Sábado), dentre vários outros. O que se percebe nesses trabalhos é uma grande vontade de dizer algo e imprimir características pessoais em suas obras, desde a poesia moderna de Rafael Gomes, passando pelo experimentalismo honesto de Carlos Magno, a pureza sentimental de Esmir Filho, o apuro visual e crítico de Eduardo Valente até a ironia pura de Kleber Mendonça Filho, diretor muito interessante e que analiso agora neste texto.

Kleber (que também é crítico) consegue tratar do contemporâneo sem soar repetitivo. É na ironia, também presente em suas críticas, que ele consegue tratar os nossos anseios e falta de comunicação, pensando as falhas humanas não só tematicamente, mas na própria forma do filme. Aí ele revela sua verdadeira posição: um experimentador de formas e sentidos cinematográficos. Seus três filmes possuem claras diferenças estéticas e narrativas, seja na direção como na montagem, o que revela uma grande vontade desse realizador de passear por diversas linguagens e formatos. Há algo de muito contemporâneo nisso.

Em Vinil Verde, as fotografias que compõem o filme (ele é uma montagem de vários stills com alguns “movimentos de câmera” de edição dentro deles) remetem diretamente a um livro de contos infantil, tornando-se não só uma brincadeira com o formato texto em que o filme se baseia (um conto russo), mas beneficiando a própria estrutura de suspense contida na narrativa. O off puramente sarcástico, critica de forma sutil o comportamento da juventude atual. A falta de comunicação (tema recorrente nos curtas de Kleber) entre pais e filhos aqui é posto em questão, sendo que este discurso se esconde, mas não desaparece frente a figuras quase trash que, no escuro, causam bom e leve desconforto.

Em Eletrodoméstica o formato é a película. A partir de uma fotografia natural, serão os enquadramentos e a arte que falarão pelo filme. O sarcasmo aqui é mais presente do que nunca, e o plano deboche da rua repleta de UNOs nos localiza muito bem neste conjunto de classe média bem média mesmo. Um plano resume bem o que significa para mim o filme: fazendo uma rima visual (proposital ou não) com Kubrick, uma steady-cam acompanha um carrinho de controle remoto por alguns segundos, remetendo imediatamente a Danny pelos corredores do Hotel Overlook. É o jogo feito pelo filme entre moderno e antigo, necessário e desnecessário, lembrando-nos de como o prazer causado pela tecnologia - em certo caso literalmente (máquina de lavar) - nos leva a um estado de dependência entorpecente. É um filme de rimas visuais, com o externo e com o interno (explosão da pipoca e orgasmo).

Em Noite de Sexta, Manhã de Sábado, a comunicação é o foco principal. Aqui, o fator moderno se dá na mediação feita pelo celular. É uma história de amor, mas que não deixa de apresentar uma veia irônica no seu tratamento. No começo vemos uma conversa legendada entre pessoas que falam o mesmo idioma e o nosso (português). É Kleber brincando com a prolixidade das pessoas, aquele ‘barulho demais’ do mundo contemporâneo que nos transforma em seres cada vez mais contraditórios (onde foi parar o “falar menos para falar mais?”). Logo depois a conversa é em “língua padrão universal” e mediada. O idioma não é o principal de nenhum dos dois interlocutores e a distância é minimizada artificialmente por este aparelhinho chamado celular que carrega em si todo um significado contextual. O formato, ao que aparenta, é um digital bem surrado (não entro a fundo no assunto, pois, ao que parece, a exibição do filme em Tiradentes não foi fiel à qualidade de finalização) que traz algo de melancólico em cada plano. É tudo muito quadrado, seco, sem vida. Só encontramos vestígios de luz nos olhares dos personagens, que sofrem como todos nós a distância, mas criam para si um alívio artificial. É a onda que se propaga através do oceano e lembra que estamos todos tão perto e tão longe.

O significado da imagem. Este está sendo o cinema feito por Kleber Mendonça Filho. Um questionamento interessante sobre o “cinema-formato”, que se torna coerente pela própria reflexão e abordagem presente na sua escrita (algo percebido também nos filmes de Eduardo Valente, outro crítico). É gostoso ver uma geração de realizadores pensando o cinema e a vida nos seus filmes que, ainda que limitados ao público de Festivais e internet, detêm uma importância grande para o nosso cinema ainda em construção.

Filmes Citados:
Ímpar Par (idem, 2005/ Esmir Filho)
Alguma coisa assim (idem, 2006/ Esmir Filho)
Tudo que é sólido pode derreter (idem, 2005/ Rafael Gomes)
Alice (idem, 2005/ Rafael Gomes)
Kalishnikov (idem, 2005/ Carlos Magno)
Igreja Revolucionária dos Corações Amargurados (idem, 2006/ Carlos Magno)
Um sol alaranjado (idem, 2001/ Eduardo Valente)
Castanho (idem, 2002/ Eduardo Valente)
O Monstro (idem, 2005/ Eduardo Valente)
Vinil Verde (idem, 2004/ Kleber Mendonça Filho)
Eletrodoméstica (idem, 2005/ Kleber Mendonça Filho)
Noite de sexta, manhã de sábado (idem, 2006/ Kleber Mendonça Filho)

Fonte: FilmesPolvo

Nenhum comentário: