segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Contrariando expectativas Tropa de Elite fatura Berlim

Cinema brasileiro: festa em Berlim

O cinema brasileiro fez bonito na 58ª edição do Festival de Cinema de Berlim, a Berlinale. “Tropa de elite”, de José Padilha, ganhou o prêmio maior do júri, o Urso de Ouro, e mais três filmes nacionais ganharam prêmios ou menção honrosa.

por Flávio Aguiar para a Agência Carta Maior

Contrariando as expectativas e os prognósticos dos críticos de cinema convencionais da imprensa de Berlim, que apontavam “There will be blood” (“Sangue negro”), de Paul Thomas Anderson (que tem 8 indicações para o Oscar) como favorito, o filme “Tropa de Elite”, de José Padilha ganhou o Urso de Ouro, o grande prêmio do júri, presidido pelo cineasta grego Costa-Gavras.

Anteriormente o filme “Central do Brasil”, de Walter Salles, ganhara o Urso de Ouro, um dos prêmio mais cobiçados do mundo. Na mesma edição, Fernanda Montenegro ganhou o prêmio de melhor atriz. Desta vez, três outros filmes brasileiros foram destacados pelos diferentes júris do festival: “Café com leite”, de Daniel Ribeiro, ganhou o Urso de Cristal na categoria de curtas para jovens; “Mutum”, de Sandra Kogut, ganhou menção honrosa na categoria de filmes infanto-juvenis; e “Ta”, de Felipe Scholl, ganhou o prêmio especial Teddy, de filmes de temática homossexual, uma originalidade do festival de Berlim.

Assim como no Brasil, a recepção de “Tropa de Elite” em Berlim foi controversa. Houve quem apontasse o filme como de tendências fascistas, ou que mostraria tendências fascistas do público brasileiro.
Padilha e Wagner Moura, que interpretou o capitão Nascimento e que também esteve em Berlim, passaram o tempo inteiro defendendo ambos, o filme e o público brasileito. Conversei com os dois na recepção que a Embaixada Brasileira ofereceu aos cineastas, com um jantar na residência do Embaixador, além de uma coletiva de imprensa alguns dias depois.

Padilha enfatizou que para ele a consideração de seu filme como excitando tendências fascistas foi mais um fenômeno de imprensa do que de público. Segundo ele, tudo começou na estréia do filme, quando artistas e técnicos presentes aplaudiam as cenas pelo trabalho dos atores, não pelo conteúdo das imagens. Um jornal publicou que os presentes aplaudiam as cenas de tortura e violência enquanto tais. Houve o desmentido, que o jornal publicou. Mas a temática se espalhou feito rastilho de pólvora. Ainda segundo Padilha, ele freqüentou dezenas de sessões do filme, em universidades e associações de bairro, e ninguém aplaudiu a violência nem considerou o capitão Nascimento um herói.

A mesma opinião teve Wagner, ressaltando que estranhara, a princípio, que os jornalistas alemães não perguntaram muito sobre a situação brasileira, mas sim sobre sua preparação como ator, que, aliás, foi meticulosa, passando por três meses de treinamento no próprio Bope. De todo modo, os dois tiveram sucesso na sua defesa, pois hoje a conclusão geral em Berlim foi a de que, por mais controverso que o filme seja, ele não é nem excita fascismos. Costa-Gavras que o diga.

Na verdade, o filme de Padilha foi também atingido, no Brasil, pela exibição indevida de sua cópia pirata. “Tropa de elite”é um filme feito para ser visto no cinema. Há certos detalhes que só a tela grande e um sistema perfeito de reprodução da trilha sonora podem tornar evidente. Por exemplo: quando o amigo de Baiano, o traficante, é baleado no final, gotas de seu “sangue” respingam na lente da câmera, que continua filmando com essa “cicatriz” que mistura realidade e ficção. De outra parte, só num sistema de som excelente se percebem as nuances da narrativa irônica de Nascimento, que narra a história a partir de um sistema de valores no qual não acredita mais.

Uma perspectiva interessante é a de analisar o filme a partir de uma tradição muito específica do cinema brasileiro, que é a de focalizar situações de violência “sem solução” para os personagens. A única saída é exatamente “sair” daquele cenário, o que também se explorou na literatura. Assim é com “Vidas secas”, (romance e filme), com “Pedra Bonita”, de José Lins do Rego, com o filme “O cangaceiro”, de Lima Barreto, que ganhou a palma de Cannes em 1953 como melhor filme estrangeiro, e também com o moderno “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles. Além disso, o capitão Nascimento, como agente da repressão que entra em crise existencial, tem antecedente no enigmático Antonio das Mortes, de Glauber Rocha, nos filmes “Deus e o Diabo na terra do sol” e “O santo guerreiro contra o dragão da maldade”, exibido no mundo inteiro com o nome do protagonista. Mas isso é tema para um ensaio mais alentado, que oportunamente poderei tentar.

Padilha me contou que um jornalista brasileiro tentou convencê-lo a tirar uma foto no ponto de trem em que os judeus eram embarcados para os campos de concentração. Entre surpreso e enojado, ele se recusou a tal pantomima sinistra. Ainda bem, para ele e o cinema brasileiro. Hoje há festa em Berlim. Como na copa de 58, ninguém a princípio esperava que o Brasil levasse. Mas levou.


Fonte: AgênciaCartaMaior