por josé onofre
O ATOR DE TRUFFAUT E GODARD
Há dois Jean-Pierre Léaud: o esteta existencial, partejado e criado pelo diretor francês François Truffaut, e o militante de esquerda embalado por Jean-Luc Godard. A morte de Truffaut, em 1984, retira de cena o grande apaixonado, o homem que dedicou ao amor e seus desatinos a maioria dos filmes. Numa Paris comum, sem o glamour da versão de Hollywood, seu alter ego Antoine Doinel (Léaud) desfila as desilusões, a leviandade e a descoberta de que o amor supõe uma perda de liberdade.
Em Beijos Proibidos (lançado em DVD pela Versátil), de 1968, percorre as ruas de uma Paris não turística, na imensa tarefa de mentir e ludibriar para manter o amor e viver a liberdade. Um ano antes, esse mesmo Jean-Pierre Léaud lia trechos de literatura revolucionária em A Chinesa, de Godard. A vivacidade, os enganos e as derrotas da juventude eram de Truffaut. A frieza, o orgulho e a dureza do militante eram de Godard. Com Truffaut, Jean-Pierre Léaud (que estreou menino, em Os Incompreendidos, também disponível em DVD) era espontâneo, engraçado, crédulo, astuto e tolo ao mesmo tempo. Godard lhe arrancava outro homem de dentro, um tipo rígido, o sacerdote fanático da nova fé, rosto seco, gestos mecânicos.
Entre os dois dividiu a cabeça e o coração. Respeitava e admirava Godard, mas amava Truffaut. Quando este morreu, encarou a dor e a depressão e, quando voltou a trabalhar, era o rígido ator de Godard e não mais o alegre e encantador ator que fizera Antoine Doinel. Foi abandonado novamente quando Godard deixou de lado o cinema de propaganda revolucionária e aderiu cada vez mais à vanguarda. Léaud continuou no trajeto de revolução e de um cinema marginal. Aos 20 anos era o rosto de uma revolução possível. Aos 60, o rosto marcado parece ter chegado a um ponto inflexível: a revolução morreu, mas ainda é o que nos resta. É tarde para voltar à juventude. Seu rosto é a imagem da desolação diante de um mundo que não fala mais em revolução.
Fonte: CartaCapital
Nenhum comentário:
Postar um comentário